Em 2009, a China ultrapassou a Alemanha e se tornou líder global em exportações, liderança que mantém até hoje.

 

 

A China é o maior exportador do mundo, mas por quê? Antes, é necessário um contexto histórico devido aos quase 4.000 anos de história do país.

Entre as primeiras descobertas chinesas estão a seda, o chá e a porcelana. Com o estabelecimento da Rota da Seda terrestre no século II a.C., estes produtos foram comercializados via caravanas puxadas por camelos ou cavalos com impérios vizinhos da Ásia Central e até com o Império Romano.

Somado ao potencial produtivo, pela civilização chinesa ter se estabelecido às margens do fértil Rio Amarelo, no ano 0 a China também já tinha mão-de-obra abundante, com cerca de 60 milhões de pessoas.

 

 

Novas invenções surgiram localmente, como o papel, a bússola e a pólvora, e no final da Dinastia Tang (618-907) uma Rota da Seda Marítima foi estabelecida. Há evidências de que a China realizava comércio marítimo com o império egípcio, passando pelo mundo árabe e persa.

No século XV, o mais famoso navegador chinês, Zheng He, percorreu 37 territórios em suas expedições marítimas entre 1405 e 1433. Suas viagens renderam muitas trocas comerciais e culturais para a China. No século XVI os holandeses trouxeram o chá chinês em larga escala para a Europa, onde o produto ganhou ampla popularidade, principalmente entre os britânicos.

O século XIX foi um dos piores (talvez o pior) da história da China, quando o império chinês viveu sob condição de semi-colônia, já que alguns territórios internos foram dominados por outros 8 impérios. Apesar disso, importantes portos comerciais foram estabelecidos no período pelo império britânico em Hong Kong e Xangai, e pelo império português em Macau.

Mais adiante no governo Mao Tsé-Tung (1949-1976), as bases da indústria pesada chinesa foram estabelecidas no Nordeste do país, principalmente dos setores metalúrgico, siderúrgico, químico e de maquinário industrial. Apesar de algumas medidas terem fracassado, como o Grande Salto para a Frente (1958-1962), que causou um descompasso entre produção industrial e agrícola e culminou em uma grande fome no país, foi um período importante para criação de infraestrutura produtiva local.

 

 

Em 1957, a famosa Feira de Cantão (Canton Fair) foi criada. Hoje, ela é reconhecida como a maior feira de exportação do mundo, ocorre em duas edições anuais e em abril 2024 terá sua 135ª edição.

Todo o contexto histórico acima contribuiu para a China se tornar o maior exportador mundial, mas foi a reforma e abertura econômica em 1978 que potencializou isso e alçou o país à condição inconteste de “fábrica do mundo”.

Em 1978, Deng Xiaoping iniciou a reforma e abertura econômica da China. Entre suas principais medidas, estavam: (i) abertura ao investimento estrangeiro, por meio de joint-ventures, para transferência de know-how tecnológico e produtivo aos chineses; e (ii) criação das ZEE’s (Zonas Econômicas Especiais), cidades e zonas-piloto para promoção do livre comércio e fomento da inovação e P&D, sendo Shenzhen a pioneira em 1979.

Qual o resultado inicial disso? Diversas multinacionais, de setores variados, estabeleceram fábricas na China para aproveitar a mão-de-obra barata e abundante, pois no início da década de 80 a China já tinha aproximadamente 1 bilhão de pessoas. Adicionalmente, a pouca regulamentação do direito trabalhista e a inexistência de políticas ambientais nesse período na China também atraíram o investimento estrangeiro. No mercado interno chinês, diversas empresas locais surgiram copiando produtos de marcas ocidentais, por meio de processos de engenharia reversa.

Na década de 90, Hong Kong (1997) e Macau (1999) foram formalmente incorporados à China, saindo respectivamente das jurisdições britânica e portuguesa. A China classificou esses territórios como regiões administrativas especiais e por meio da lógica de “um país, dois sistemas” criou mecanismos de atração ao comércio exterior e investimento estrangeiro na China usando como porta de entrada Hong Kong e Macau.

Em 2001, a China finalmente entrou na OMC (Organização Mundial do Comércio) após 15 anos de intensas negociações, e no mesmo ano o governo criou a seguradora Sinosure para fomentar as exportações do país. Em 2009, a China ultrapassou a Alemanha e se tornou líder global em exportações, liderança que mantém até hoje.

Assim que Xi Jinping assumiu o governo em 2013, fez questão de reviver um conceito antigo. Ele propôs a estratégia da Nova Rota da Seda, ou em inglês BRI (Belt and Road Initiative). De forma análoga ao racional anterior, o projeto foi dividido entre rota terrestre, por meio de corredores econômicos, e rota marítima, com a Rota da Seda Marítima do Século XXI. Um dos objetivos desse macroprojeto é aumentar a conectividade global para fomentar o comércio internacional entre China e outros países.

(Yangtze River – Rio na República Popular da China)

 

Por que a China está fazendo isso? Durante o seu milagre econômico pós-1978, a China desenvolveu expertise em infraestrutura logística e ficou com excesso de oferta em muitos setores. Além disso, o foco inicial das reformas era produção e crescimento econômico a qualquer custo, atualmente, o objetivo é qualificar este crescimento em busca de maior produtividade e mais representatividade de consumo e serviços sobre o PIB, respeitando diretrizes ambientalistas. Nesse contexto, o projeto multilateral se encaixou perfeitamente às necessidades da China, e foi até escrito na constituição chinesa em 2017.

Entre os projetos de destaque dessa iniciativa até o momento estão: (i) CPEC – Corredor Econômico China-Paquistão; (ii) Ferrovia China-Tailândia; (iii) Ferrovia China-Laos; (iv) A Zona Econômica Especial do Canal de Suez (SCZone) ou “TEDA Park” e (v) Gasoduto da Sibéria (Power of Siberia).

O investimento nesses projetos é amparado por diversas instituições, entre elas: BRF (Belt and Road Forum), Silk Road Fund, Belt and Road General Chamber of Commerce, The Green Belt and Road Initiative Center, EXIM (Export-Import) Bank of China, AIIB (Asian Infrastructure Investment Bank) e até o Banco Mundial.

 

 

Os projetos da Nova Rota da Seda intensificaram o comércio entre China e os países parceiros. Quanto à qualidade do PIB, indústrias mais poluentes e intensivas em mão-de-obra da costa Leste chinesa (região mais desenvolvida) estão gradativamente sendo transferidas ou para o interior do país (região menos afluente) ou para países menos desenvolvidos do Sudeste Asiático. Em compensação, novas indústrias mais tecnológicas estão se estabelecendo na costa Leste.

Outro fator que contribui para a expansão e manutenção da China como “fábrica do mundo” é o Cross-Border E-commerce. Devido ao sucesso obtido com o varejo chinês, as gigantes locais do E-commerce expandiram suas operações internacionalmente por meio do dropshipping.

Por fim, vamos analisar brevemente a matriz de exportações da China. Segundo dados oficiais da alfândega chinesa (GACC – General Administration of Customs of China), em 2023 o país exportou USD 3,38 trilhões, uma queda de 4,6% ante 2022, a primeira queda no indicador nos últimos 7 anos, desde 2016.

As Top 3 categorias mais exportadas pela China em 2023 foram: maquinário e eletrônicos (59% do valor exportado total), tecidos e vestuário (5%) e produtos agrícolas (3%). Os top 3 destinos em 2023 foram ASEAN (bloco econômico dos países do Sudeste Asiático, com 16% do valor total), União Europeia (15%) e EUA (15%).

 

 

As ZEE’s criadas por Deng Xiaoping tiveram como saldo uma certa clusterização da economia chinesa. Shenzhen, a primeira ZEE em 1979, e na minha opinião a epítome da nova China, desenvolveu expertise na fabricação de eletrônicos, tanto que é chamada de “O Vale do Silício Chinês”. Estima-se que a cada 4 telefones produzidos no mundo, 1 seja feito em Shenzhen. Na sequência, as indústrias têxtil e agrícola, historicamente, sempre foram representativas nas exportações chinesas.

Quanto aos Top 3 destinos de exportação, o bloco ASEAN (Países do Sudeste Asiático) ultrapassou União Europeia e EUA em representatividade tanto pela conectividade logística com a China sob a égide dos projetos da Nova Rota da Seda, quanto pela maior aproximação geopolítica.

Este artigo foi escrito por Fernando Velloso, Gerente de Parcerias da Vixtra e morou na China por 3 anos, onde concluiu mestrado em Economia Chinesa pela Renmin University e trabalhou na InvestSP em Xangai.